“Porque a tristeza de
Deus produz mudança… mas a tristeza do mundo produz morte.” II Co 7:10
As quaresmeiras aí
estão. Flores de fevereiro e março, anunciando que nem só de cores brancas e
verdes vive a alma humana, mas também de lilases e roxas. Nem só de alegrias,
mas também de tristezas. A propósito, não é tarefa das mais fáceis empreender
um “dedo de prosa”, mínimo que seja, sobre o tema da tristeza. Houve tempos em
que a tristeza era prima irmã da poesia, da musica, da vida. Pode-se dizer, com
o testemunho de um bom numero de musicas que ainda hoje cantamos, que a
tristeza sempre foi a matéria primado fazer poético. Quem nunca cantou:
“Tristeza, por favor vai embora, minha alma que chora, está vendo o seu fim….”.
Ou ainda: “Cantando eu mando a tristeza embora…” Mais: “Triste madrugada foi
aquela em que perdi meu violão…”
Essas músicas testemunham
um tempo em que a experiência da alegria e da beleza só eram possíveis a partir
do reconhecimento de uma certa tristeza nas pautas musicais da existência. Os
tempos hoje são outros. Num projeto de vida em que as pessoas são tidas como
máquinas, qualquer sombra de melancolia, de tristeza, de dor, deve ser abolida.
Por uma simples razão: máquina não sente dor! Aos saudosos e melancólicos do
presente, resta-lhes apenas o afogar-se nos remédios. É assim que lidamos com
nossas tristezas: afogando-nos nos compridos.
O trecho da tradição
bíblica que está em epígrafe acima faz referência à tristeza segundo Deus.
Dorothee Sölle assim o interpretou: A presença divina nunca é presença
observadora: a presença divina é sempre dor ou alegria de Deus. Mas, o que
distingue a tristeza divina das tristezas do mundo? pergunta o apóstolo dos
gentios. Tristeza do mundo é tristeza que gira em torno de si mesma, patina sem
sair do lugar. É tristeza que paralisa no remorso, na lástima, no mórbido
ruminar as faltas passadas, na lamuria sem fim. Nada se transforma, nada se
metamorfoseia, nada muda. É tristeza que não conhece a esperança, o futuro, por
estar afogada no passado. É Tristeza que mata, que corrói, que faz adoecer.
Como exemplo, atente-se
às tristezas próprias do mundo da aparência: a anorexia, a bulimia, sofrimento
de um corpo que morre para parecer belo. Ou a tristeza do consumo: esse
mal-estar diabólico que leva do nada a lugar nenhum. A tristeza da guerra, da
destruição que faz morrer a palavra e perpetua o ódio.
A tristeza segundo Deus, porém, produz mudança, movimento, superação, transformação, produz vida. É tristeza que não patina nas culpas, mas avança na responsabilidade. Tristeza de parturiente, que traz a esperança e o futuro no ventre. É tristeza que gera a sagrada ira, a santa indignação, o grito, a libertação. Sem a participação na tristeza divina, o domingo da ressurreição não passa de oba-oba. Que as quaresmeiras e os ipês roxos, também próprios do tempo quaresmal, nos convidem a participar da tristeza segundo Deus, aquela que verdadeiramente nos conduz à mudança, ao arrependimento, à transformação.”
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