quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A GRAÇA DE DEUS COMO ATO E EVENTO*

1. DISCUTINDO O MAL ENTENDIMENTO SOBRE A GRAÇA E A IRA DE DEUS

A). A graça de Deus não é sua qualidade, não sua mentalidade válida atemporalmente, e o Evangelho não traz o esclarecimento sobre a essência de Deus desconhecida até agora;

B). Nem tão pouco devemos entender que antes da graça, Deus tivesse sido imaginado erroneamente como irado e que, agora deveria ser concebido como um Deus misericordioso.

C). Pelo contrário, a ira de Deus se revela, hoje como dantes, sobre toda impiedade e injustiça humana (Rm 1.18). A pessoa que não se arrepende é advertida (Rm 2.5,8). Pois justamente fazem parte de Deus, a fidelidade, a veracidade e a justiça, fazer sobrevir a ira (Rm 3.3-6).

D). Deus permanece o juiz, e a fé cristã na graça não consiste da convicção de que não existe ira de Deus, e que não está nos esperando ameaçadoramente um juízo (2 Co 5.10), e sim na convicção de ser salvo da ira de Deus (Rm 5.9; 1 Ts 1.10; 5.9)

2. A IRA DE DEUS COMO UM EVENTO

A). Existe uma concepção errada sobre a ira de Deus, que se baseia na falsa concepção de que a ira de Deus seria uma propriedade, um afeto, uma mentalidade irada.

B). Na verdade a ira de Deus designa um evento, a saber o juízo de Deus. Exemplos:

· Quando se fala da ira de Deus (Rm 1.18), não se está falando de uma comunicação instrutiva, e sim está sendo dito que ela se torna efetiva.
· Quando em Rm 1.18-32 é descrita a ira de Deus, ela é apresentada como aquilo que já acontece de fato no mundo gentílico. Neste texto vemos:
a). O estar entregue aos desejos do coração (v. 24);
b). Ás paixões desonrosas (v.26);
c). Ao entendimento reprovável (v.28)

C). O dia da ira é o dia da revelação do justo juízo de Deus, do juízo que se há de realizar um dia (Rm 2.5). Na maioria dos casos se pensa em juízo vindouro (Rm 9.22), não obstante Rm 13.4, fala do juízo que se realiza permanentemente, através do governo do Estado, e quando os cristão é admoestado à obediência cidadã não somente por causa da ira, mas também por causa do julgamento divino (Rm 2.5).

3. A GRAÇA DE DEUS COMO UM ATO

A). A graça de Deus, não é uma maneira de proceder, para a qual Deus se decidiu agora, e sim um ato único que se torna ativo para todo aquele que a conhece como tal e a reconhece na fé.

B). A graça de Deus é o ato clemente, pela qual os seres humanos são justificados (Rm 3.24);

C). Este ato consiste no fato de que Deus entregou Cristo à morte, e isso como sacrifício expiatório pelos pecados dos seres humanos (Rm 8.22).

D). O evento da graça consiste portanto,

· na ação de Deus, que “entregou” seu Filho “por nós” (Rm 8.22),
· na “obediência” do filho, que “se entregou po mim” (Gl 2.20), e foi “obediente até a morte” (Fp 2.8).
E). Assim como a queda de Adão trouxe a morte para os seres humanos, assim o evento da obediência de Cristo trouxe a vida, e a graça consiste justamente neste evento, que, na medida em que vem em benefício dos seres humanos, também pode ser chamada de dom da graça (Rm 5.15)

F). Podemos acentuar neste evento da graça, ora o ato de Deus ou de ora o ato de Cristo, desde que compreendemos que se trata do mesmo ato, do mesmo presente. Vejamos:

· 2 Co 6.1: “a graça de Deus” – Paulo está falando do ato de Deus, que é ao mesmo tempo ato de Cristo, como era descrito em 2 Co 5.14;
· 1 Co 2.12: “as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente” – Paulo designa a ação salvífica de Deus, ele lembra o acontecimento salvífico como o feito de Cristo em 2 Co 8.9, no que, naturalmente, tem em mente tudo o que é dito em Fp 2.6-8
· Gl 2.21: “Não anulo a graça de Deus” - Paulo mostra que o ato da graça de Deus consiste justamente no feito de Cristo descrito em Gl 2.20 “que me amou e se entregou por mim”.

4. A GRAÇA DE DEUS COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO E COMO UM PODER QUE SE OPÕE AO PODER DO PECADO

A). Como evento escatológico decisivo, este ato, como o qual irrompeu o tempo salvífico (2 Co 6.1);

B). Como um poder que se opõe ao poder do pecado e que substitui seu regime (Rm 5.20)

C). O sentido da graça aproxima-se quase do sentido de Espírito. E por isso também a nova situação para a qual foram transportados os crentes que receberam o “pneuma” (Gl 4.6), pode ser designada como graça, como a esfera de domínio do ato divino. Neste sentido:

· O crente é “chamado para a graça” (Gl 1.6);
· E nela adquiriu seu “status” (Rm 5.2);

D). Paulo entendia a graça como um atuar ou agir clemente de Deus, que é percebido pelo ser humano como presente,

· dom do apostolado a ele confiado, pode chamar de graça (Rm 1.5; 12.3; 15.15; 1 Co 3.10; Gl 2.9)
· o agir de Deus nele é pela graça (Gl 2.8; Rm 15.18);
· a prática do dever do amor cristão é uma dádiva de Deus (2 Co 8.1,4; 2 Co 9.8);
· dons especiais que o cristão recebe chama-se dons da graça (Rm 12.6; 1 Co 7.7;
· a poderosa atuação de Deus procede da graça (1 Co 12.6);
· a graça de Deus é que determina a vida do indivíduo ( 1 Co 15.10; 2 Co 1.12; 12.9).

5. A GRAÇA E O AMOR DE DEUS

A). Talvez na expressão “ ágape” haja mais ênfase na mentalidade do amor do que m graça, mas em todo caso, fala-se do amor contanto que ele se mostre no ato, no evento (Rm 5.8)

B). “Ágape” também significa mentalidade de amor, mas fala-se dela na medida em que Deus a “demonstra”, a saber, pelo fato de ter entregue Cristo à morte por nós, neste sentido também deve ser entendido Rm 5.5. Por meio do Espírito Santo se torna certo e efetivo para nós o ato de amor de Deus, que Rm 5.6, havia descrito como ato de Cristo.

C). A pergunta de Rm 8.35: “quem poderá nos separar do amor de Cristo?”, remete ao evento salvífico da morte e da ressurreição de Cristo, mencionado em Rm 8.34, como o qual ele se entregou à morte (Rm 8.35; Gl 2.20). E a unidade do ato de Deus e de Cristo se expressa na locução de que nada nos pode separar do “amor de Deus em Jesus Cristo, nosso Senhor”, isto é, da salvação que Deus realiza por meio de Cristo (Rm 8.39).


*Citação direta de, BULTMANN, Rudolf – Teologia do Novo Testamento – pg. 353 – 358 – Teológica - 2004

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