quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A LÓGICA DA PRETERIÇÃO: COMO EXPLICAR O “DECRETUM HORRIBILE”

A doutrina da preterição ou simplesmente reprovação é uma doutrina bastante desagradável para o sentimentalismo humano. Nem todos os que aceitam a doutrina da eleição, se acham à vontade quando o assunto é a reprovação, ou preterição. Mesmo Calvino, estava consciente da profundidade desta doutrina. E chegou a chamá-la de “Decretum horribile”. Mas a dificuldade desta doutrina não pesa somente sobre os calvinistas, mas sobre todas as escolas teológicas. Apesar das dificuldades em aceitação desta doutrina e dos muitos adversários que se tem levantado contra ela no decorrer dos séculos, ela está lá e permanece palmilhada nas páginas das Escrituras. A doutrina da reprovação é uma conseqüência lógica da doutrina da eleição. Ao, se Deus não escolheu todos, logo alguém foi rejeitado ou reprovado. Mas tudo depende de como se encara e se argumenta sobre o assunto.

1. Nossa dificuldade de compreensão do pecado: O pecado é um fato incontestável. Todo aceitou isso, porém temos dificuldades de compreender o mal ou a permissão de Deus para o pecado no gênero humano.

2. Deus odeia o pecado e sua justiça exige que os pecadores sejam punidos: Ninguém que conhece a Bíblia, nega tal verdade; Deus tem o direito de punir os transgressores da sua lei, e podia condenar todos, uma vez que todos pecaram, sem com isso ser taxado de um Deus injusto.

3. Uma pergunta que merece uma resposta: Deus foi injusto em reprovar os transgressores de sua santa vontade? Ora, se admitimos que Deus fosse justo à condenação dos pecadores, temos que admitir que Deus também fosse justo ao condenar os não eleitos, que são pecadores.

4. Os arminianos não têm dificuldade em aceitar a reprovação, ou rejeição dos anjos caídos, para os quais Deus não fez nenhuma provisão ( 2 Pd 2.4). Vemos que alguns não têm repugnância à reprovação destes anjos e até glorificam a Deus, mas quanto aos homens, (que também não caíram por culpa de Deus, mas de um ato voluntário de sua vontade, portanto merecedor é do castigo de Deus), somos relutantes em aceitar esta doutrina na vida destes homens.

5. A reprovação é um ato negativo de Deus: Diferentemente da eleição, que é um ato positivo de Deus, pelo qual ele escolhe, do meio da massa perdida do gênero humano, certo número de pessoas para a salvação; a reprovação é um ato negativo de Deus, pelo qual ele deixa que o resto da humanidade, em seus pecados sofra as conseqüências de sua desobediência. Neste caso “os eleitos são monumentos da graça. Os não eleitos serão uma revelação de sua justiça”.

6. Prova da doutrina da reprovação: Todos os argumentos que provam a eleição provam igualmente a reprovação, como já mencionamos a reprovação é a conseqüência lógica da eleição. Vejamos:

1. A regeneração é um ato soberano e poderoso de Deus. Somente Deus pode regenerar. Se ele não regenera a todos, claro que não é seu propósito fazê-lo, logo ele decidiu não eleger todos. Neste caso houve reprovação de alguns.

2. Nem todos vão a Cristo. E sabemos pelas palavras do próprio Cristo que “ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer” (Jo 6.44). Se todos não vem a Cristo é porque ele não leva todos a ir a Cristo. Logo alguém está reprovado aqui.

3. A fé é uma dádiva de Deus, se todos os homens não a recebem, é claro que Deus decidiu não conceder a todos. Jesus falava aos judeus que o rejeitavam: “Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.” (Jo 10.26). E quem são suas ovelhas? A resposta está em Jo 10.29, aqueles que o Pai lhe deu.

4. Deus deu a Cristo um povo especial, a quem ele escolheu “do mundo”. E estes e ninguém mais são objetos da sua oração intercessora em João 17.9: “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me tens dado, porque são teus”. Sendo assim é claro que o resto do mundo não foi contemplado, não foi dado a Cristo. Neste caso temos a reprovação do restante.

5. O caso dos cidadãos de Tiro, Sidom e Sodoma em Mateus 11.21-24: “Ai de ti, Corazin! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom, se tivessem operado os milagres que em vós se operaram, há muito elas se teriam arrependido em cilício e em cinza. Contudo, eu vos digo que para Tiro e Sidom haverá menos rigor, no dia do juízo, do que para vós. E tu, Cafarnaum, porventura serás elevada até o céu? até o inferno descerás; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje. Contudo, eu vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para a terra de Sodoma do que para ti.” Apesar de Deus prever o arrependimento destas pessoas, não lhes deu uma oportunidade de se arrependerem. Isso prova duas coisas: Primeiro que arrependimento previsto não serve de base para Deus eleger ninguém. Segundo se Deus não lhes deu uma oportunidade de ver os milagres de Cristo para que eles se arrependessem, segue-se que foram rejeitadas, não foram contempladas. Há injustiça em Deus por condenar o povo corrupto de Sodoma? Certamente que não.

6. Existem dois grupos de pessoas da qual a Bíblia fala com respeito a nomes arrolados no livro da vida. A primeira diz respeito aos eleitos, assim lemos as seguintes passagens das Escrituras:

“Contudo, não vos alegreis porque se vos submetem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.” (Lc 10.20)

“E peço também a ti, meu verdadeiro companheiro, que as ajudes, porque trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros meus cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida.” (Fp 4.3)

No segundo grupo a Bíblia fala daqueles “cujos nomes não foram escritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 13.8)

7. Inúmeras referências nas Escrituras descrevem a decisão divina a respeito dos não eleitos, a qual passo a demonstrar a baixo.

“E adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.” (Ap 13.8)
· “E que direis, se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição”. (Rm 9.22)

“Porque se introduziram furtivamente certos homens, que já desde há muito estavam destinados para este juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de nosso Deus, e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.” (Jd v.4)

“E: Como uma pedra de tropeço e rocha de escândalo; porque tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados. (1 Pd 2.8)

“Pois quê? O que Israel busca isso não o alcançou; mas os eleitos alcançaram; e os outros foram endurecidos”. (Rm 11.7). Observe a conclusão clara do apóstolo. Há dois grupos aqui, “os eleitos”, e “os outros”. Também há aqui dois resultados: os eleitos “alcançaram”. Os outros foram “endurecidos”. Isso é reprovação.

8. Quando Paulo pregou em Filipos para um grupo de mulheres, somente Lídia se converteu. E a Bíblia diz por que Lídia se converteu. Atos 16.14: “E certa mulher chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que temia a Deus, nos escutava e o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia”. Todas as mulheres ouviram a chamada geral do Evangelho, mas somente Lídia recebeu a chamada eficaz. É o mesmo caso de Atos 13.48: “Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna.” Ora, se é Deus quem abre o coração para entender à Palavra, se crê os que são destinados para a vida eterna, e ele não fazem isso com todos, logo se segue que há uma reprovação de certo grupo de pessoas, mesmo elas ouvindo o evangelho, pela chamada geral. Isso confirma as palavras de Jesus: “Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (Mt 22.14).

9. A Bíblia dá testemunho de pessoas cujos corações Deus endureceram: Um exemplo clássico deste endurecimento de coração é Faraó. Vejamos o que a Bíblia nos informa sobre este caso.

9.1. O endurecimento de Faraó:
Ø “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas.” (Ex 7.3)
Neste texto temos uma afirmação de Deus, que ele endureceu o coração de Faraó. Mas isso não quer dizer que Deus foi à causa eficiente do endurecimento do coração dele, mas que Deus o entregou à perversão de seu próprio coração. Pois lemos em Êxodo 8.15: “Mas vendo Faraó que havia descanso, endureceu o seu coração, e não os ouviu como o Senhor tinha dito.” O endurecimento do coração de Faraó foi um ato de misericórdia de Deus. Cada vez que vinha uma praga, ele confessava “pequei” (Ex 9.27). Mas tão logo a praga era retirada, Faraó endurecia o coração. Deus poderia e somente Ele poderia abrandar aquele coração, mas Deus não fez. Ele recusou conceder-lhe sua graça regeneradora, e Deus tinha todo direito de proceder assim. Primeiro porque Faraó antes da intervenção miraculosa de Deus no Egito, ele já era um pecador, portanto merecedor da ira de Deus. Segundo, porque graça é favor imerecido, ninguém merece, ou fez por merecer. É favor de Deus e Ele a dá a quem quiser. “Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum. Porque diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e terei compaixão de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia.”. (Rm 9.14-16)

9.2. Os filhos de Eli: “Todavia eles não ouviram a voz de seu pai, porque o Senhor os queria destruir.” (1 Sm 2.25). A atitude de Deus foi de todo negativa para eles. Deus decidiu não secundar o conselho do pai com a operação eficaz de sua graça, e o fez com um fim determinado: “os queria destruir”.

9.3. O caso dos gentios de Romanos 1.28: “E assim como eles rejeitaram o conhecimento de Deus, Deus, por sua vez, os entregou a um sentimento depravado, para fazerem coisas que não convêm.” Alguém poderia objetar dizendo que foram entregues porque antes assumiram uma decisão de rejeitar. Não. Eles rejeitaram porque são pecadores. Quem na face da terra não rejeitou ou ainda rejeita o conhecimento de Deus? Somente aqueles que já foram agraciados com a graça regeneradora, ou seja, os eleitos.

“Em todos os reprovados há uma cegueira e endurecimento pertinaz de coração. E quando de alguns deles, como Faraó, se diz que Deus os endureceu, podemos ficar certos que em si mesmos já são dignos de ser entregues a Satanás. Os corações dos ímpios nunca, naturalmente, são endurecidos por influência direta de Deus, - Ele simplesmente permite que alguns cedam aos maus impulsos já existentes em seus corações, de modo que, como resultado da própria escolha deles, torna-se cada vez mais calejados e obstinados”.

10. Justiça da Reprovação: A primeira impressão que temos da doutrina da reprovação é há nela injustiça. Todos perguntam: “Se Deus escolheu uma parte e deixou o restante a perecer, porque ele não escolheu todos?” Suas imediatas conclusões são: “Ele foi injusto para com aqueles que não escolheram”. Paulo refuta esta objeção em sua doutrina da reprovação com as palavras abaixo: “Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum. Porque diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e terei compaixão de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia.”. (Rm 9.14-16)

1). Como a Bíblia apresenta a humanidade: Toda esta doutrina repousa sobre o princípio da precedente doutrina do pecado original e da total incapacidade. Sustentamos o seguinte:

1. Que Deus criou o homem originalmente à sua própria imagem e semelhança, em conhecimento, retidão e santidade, imortais e investidos do domínio sobre as criaturas, dotado de perfeita liberdade da vontade, possuindo espontaneidade e capacidade de autodeterminação, com poder de escolher o bem e o mal, e de assim determinar seu próprio caráter;
2. Adão pecou voluntariamente, sob a tentação do Diabo, e assim caiu do estado em que fora criado;
3. Que a conseqüência deste pecado sobre Adão foi à corrupção de toda a sua natureza, de sorte que ele tornou-se espiritualmente morto, e por isso mesmo indisposto, incapacitado e oposto a todo o bem espiritual. Além desta morte ele se fez mortal e passível de todas as misérias desta vida e da morte eterna;
4. Devido à união entre Adão e seus descendentes, as mesmas conseqüências de sua transgressão lhes sobrevieram;
5. Tal inerente e hereditária depravação são verdadeira e propriamente da natureza do pecado;
6. Que a regeneração, ou a vocação eficaz, é uma ação supranatural do Espírito Santo, no qual a alma é o sujeito e não o agente; que é soberana, concedida ou retida segundo o beneplácito de Deus, fazendo assim a salvação ser um dom gratuito de Deus.

Paulo nos faz silenciar diante de nossa culpa: “Que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus” (Rm 3.19).


2). A eleição e a reprovação procedem de fundamentos diferentes: A primeira procede da graça de Deus, a segunda, do pecado do homem. O fato de Deus escolher salvar alguém independentemente de seu caráter e demérito, não significa que ele escolhe condenar pessoas a despeito do caráter ou merecimentos delas. A base da eleição é a graça. A base da reprovação é o pecado. Agostinho faz o seguinte comentário sobre este assunto: “A condenação cabe aos ímpios por uma questão de dívida, justiça, e merecimento, ao passo que a graça, concedida aos que são libertos, é livre e não merecida, de modo que o pecador condenado não pode alegar que não merece esse castigo, nem o piedoso pode gabar-se ou vangloriar-se, como se fora digno de sua recompensa.”


11. A razão da Reprovação: Paulo, terminando sua exposição sobre este assunto exclamou: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Pois, quem jamais conheceu a mente do Senhor? ou quem se fez seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.” (Rm 11.33-36). Isso significa que Deus não nos dá a conhecer as razões pelas quais decidiu reprovar uma parte do gênero humano, não a contemplando, para que pereça em seus pecados. Sabemos que ele escolheu uns e reprovaram outros. Ele deve ter tido boa e justa razão que não revelou, mas que um dia compreenderemos. Mas pelo pouco que conhecemos de Deus, podemos ter uma vaga idéia da razão pela qual existem estas duas doutrinas: a eleição e a reprovação. A primeira pode ser para dar a conhecer da sua misericórdia, a segunda, para dar a conhecer da sua justiça. Se todos os membros da raça humana se salvassem, não saberíamos apreciar o valor de nossa salvação. Pois não haveria um contraste para medí-la. Pelo contraste de nossa glória e bem-aventurança com a vergonha e a condenação dos perdidos, compreendemos melhor a grandeza da nossa salvação. Além disso, no julgamento dos condenados veremos a santidade e a justiça de Deus. E a condenação deles redundará no louvor da justiça de Deus, enquanto que a salvação dos eleitos resultará no louvor de sua graça.

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